Em 1.906, na posse de Afonso Pena, como ministro da Aviação em um salão repleto de pessoas gradas e funcionários do Ministério, escondia-se uma glória nacional, a maior figura de letras brasileiras, reconhecida e venerada por todos; por ser o Presidente da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis, atingira também o cume de carreira burocrática, e ocupava uma das diretorias do Ministério
O novo ministro aproveitou o ensejo para, no seu discurso de posse, perante os funcionários enaltecer a figura de seu subordinado, reconhecendo a grandeza de sua personalidade de escritor e servidor público, situação que alcançara pelos seus próprios méritos, tendo vindo da condição mais humilde.
Tímido e arredio, avesso ao elogio, suportou encolhido e cabisbaixo. As palavras justas do ministro traduziam a consagração nacional que envolvia a imagem daquele homem.
Em 1.839, época de transição política brasileira, que se reflete numa fase de agitações. No ano seguinte foi promulgada a maioridade do novo imperador. Mesmo assim, após 17 anos, D. Pedro I tenha proclamado a in dependência, a sociedade brasileira vive a mesma atmosfera da época colonial. Ainda sem conquistar uma independência de costumes, assim como uma autonomia intelectual. Haja vista não se ter uma Literatura que externasse o nacional. Esse fato passa a acontecer através de jornal, porém de forma bem vazia.Enquanto isso, decorre a vida nos cafés da Ouvidor, o ponto máximo da cidade e centro do comercio elegante, local de encontros ao cair da tarde, de exibições da moda (e tudo mais vindo da Europa). A vida das sinhazinhas divide-se entre os bailes e namoricos. Os acontecimentos máximos eram ainda o entrudo, então festa grosseira e semibárbara, apenas para uns poucos, o teatro lírico, com suas prima-donas importadas da França e da Itália.
O Rio era uma pequena cidade suja ,desconfortável e tumultuada. Diariamente, os jornais divulgavam notícias de lutas entre negros e foragidos. Nas redondezas da cidade de pequenos sobrados, as grandes chácaras dos senhores do império destacam-se com sua imponência colonial. Na proximidade de uma delas, no morro do Livramento, nasce no dia 21 de Junho de 1.839, o menino que recebeu o nome de Joaquim Maria. Seu pai, mulato, pintor e dourador Francisco de Assis. Sua mãe, lavadeira, Maria Leopoldina Machado de Assis, portuguesa da ilha de São Miguel. A chácara da família da viúva Dona Maria José de Mendonça Barroso, esposa do senador Bento Barroso Pereira, falecido dois anos antes, teve grande influência na vida do escritor. Foi lá que Machado passou grande parte de sua infância. Foi a própria Dona Maria José a sua madrinha, da qual os pais de Machado tinham sido agregados.
MENINO POBRE NO MUNDO DA FIDALGUIA
O mulatinho passou a ser objeto de ternura da grande dama, da qual recebia total proteção. Sua infância se passou entre o sobrado e a casa humilde dos pais. Desse contraste pode-se dizer que nasceu em sua índole, a inclinação e o gosto pela fidalguia, presente em sua obra, além do desprezo à pobreza, afastando-se ao ponto de esconder suas origens. E na vida, se frequentemente deixará escapar um tom de simpatia por aquele meio fidalgo que viveu, só muito veladamente refere-se aos pais e à casa humilde onde deu origem a sua vida.
Os pais de Machado tiveram apenas um casal de filhos, o primeiro é Joaquim Maria e depois nasceu uma menina, de constituição doentia, que morre prematuramente. O próprio escritor não é uma criança sadia, pois na vida adulta manifesta-se a epilepsia que recebeu o primeiro ataque logo após seu casamento; e conforme declarou Machado que sentira quando criança “umas coisas esquisitas”.
Contudo, Machado teve uma vida de liberdade e, de seus giros na sociedade, muita coisa será transferida, mais tarde, para sua obra, que apesar de tão nua de cenário, segundo Brito Broca-“tantos elementos oferece para os que pretendem reconstituir a vida do Rio antigo” porque Machado “Nunca deixou de caracterizar, com alguns traços suficientemente marcantes, o quadro urbano em que evoluem os personagens”,chega a fazer descrição de seu próprio morro.
A morte da irmã sucede a da mãe. Logo em breve, Francisco José casa-se com Maria Inês a qual dá continuidade a educação iniciada por Maria Leopoldina. Aluno de escola pública, Joaquim Maria revela-se como aluno de grande inteligência.
“Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola. Mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos.”
A revelação de tal capacidade abre perspectivas para Francisco José. O menino poderia auxiliar nas despesas da casa, através de um emprego modesto.Então Joaquim Maria vai trabalhar em uma papelaria, trabalhar como caixeiro, porém as aptidões demonstradas na escola não se repetem no exercício da profissão, onde permanece durante três dias.
Em 1.851, com a morte de seu pai, a vida se torna ainda mais difícil. Sua madrasta emprega-se como doceira num colégio modesto, onde Machado atuava como vendedor de doces. Agora moravam em São Cristóvão. Mas no colégio, repetem-se para Machado a mesma situação do tempo de Livramento: o contato com gente de classe superior. Pois pelo fato de morar no casarão da madrinha, isso atrai a proximidade dos professores e dos alunos do estabelecimento. Com isso, adquiria livros emprestados o que favorecia o enriquecimento dos conhecimentos elementares que absorvia na escola pública. Sua prematura estréia na imprensa, aos 16 anos, leva-nos a admitir que o menino haveria de se dedicar às letras. E é de crer também que começasse a rabiscar os primeiros versos, e que, com o valor de sua remuneração, adquirisse jornais, para ler os poemas e os romances de folhetins na Marmota e no Correio Municipal, e já sonhasse em mandar também, para eles, suas primeiras produções.
Machado serve também de coroinha na igreja de Lampadosa, chegando a fazer, de barca, o trajeto da Praia de São Cristóvão para o cais Pharoux, na cidade, ajudaria na missa. Depois de cumprir o ofício, passeava pela cidade a qual conhecia como a palma da mão, visitava aos sebos, onde ficava namorando os livros. Em seguida o menino corria para o largo do Rossio, no número 64 da Praça da Constituição, na Livraria de Paula Brito, cujos mostruários o atraiam.
Em 1.885 foi publicada na imprensa sua primeira sua primeira obra, a poesia Ela, na revista Marmota, onde vários escritores da época publicavam suas obras, e através desse contato Machado passou a fazer parte desse grupo. A partir daí Machado passou durante um ano escrevendo em um jornal de Paula Brito. Após esse período consegue trabalhar de tipógrafo na Imprensa Nacional, dirigida por Antônio Manuel de Almeida que já era autor da obra Memórias de um Sargento de Milícias, porém Machado não correspondeu ao ofício, pois preferia dedicar-se à leitura, em horário de serviço, a cumprir suas atividades obrigatórias. Tal fato firmou entre os dois uma amizade mais sólida e duradoura.
Já em 1.858, com a função de revisor, retorna à casa de Paula Brito, continuando a escrever no jornaleco. Começa a escrever textos em prosa. Embora com tenra idade, já se relacionava com grandes escritores da época como Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, José de Alencar, dentre outros.
Em 1.860, Quintino Bocaiúva, redator chefe do jornal o “Diário do Rio de Janeiro” e amigo de Machado, o convida para a redação; e como jornalista e como escritor publica várias obras em 1.861 “Queda que as Mulheres Têm Para os Tolos”, “Marmota-Hoje Avental, Amanhã Luva” sua primeira obra teatral.
Em 1.867, Machado conhece Carolina de Novais, irmã de Faustino Xavier Novais, amigo do escritor que inicia namoro com a jovem 5 anos mais velha que ele. Com o namoro surgem as perspectivas para o casamento, não muito aceito pela família Novais, quem sabe ser uma rejeição à origem e a raça do poeta (...???). Porém, no dia 12 de novembro de 1.869 concretiza-se o matrimônio, considerada na Literatura um dos mais felizes da época e, mais tarde foi evocado em “Memorial de Aires”. Carolina não assume apenas a função de esposa , mas também a de enfermeira, após a primeira crise de epilepsia,doença nunca revelada pelo marido e que seria a maior tortura na vida de Machado;doença que fez aumentar consideravelmente os cuidados da esposa .Tal união chegou ao fim com o falecimento de Carolina Novais, em 20 de outubro de 1.904.
Em 1.871, aos 31 anos de idade, publica o romance “Ressurreição”, seguido de “Histórias da Meia Noite”, em 1.873, período em que Machado já era um escritor de renome. Os críticos literários teorizam que, a maioria das obras machadianas, é feita de trechos de recordações de sua vida, sobretudo em seus romances femininos, nos quais, observa-se com freqüência a mudança de condição social.
Em 1.880 inicia a obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e editada em 1.881 na Imprensa Nacional, com excelente acolhida. E em 1.899, “Dom Casmurro”, considerado por muitos literários um dos mais belos romances da Literatura brasileira. Em 1.907 inicia seu último romance “Memorial de Aires” com muito saudosismo, concluído em 1.908,quando Machado encontra-se muito doente tanto da vista quanto de uma freqüente infecção intestinal, além de freqüentes ataques epilépticos. No 1° dia de agosto, deste ano, faz sua última sessão na Academia. Morre exatamente ás 3h45min do dia 29 de setembro, na presença de seus amigos mais íntimos,dentre eles, Mário de Alencar,Euclides da Cunha , Coelho Neto e Raimundo Correia.Seu enterro acontece no dia seguinte,acompanhado por uma multidão e pelas maiores personalidades do país, sob o discurso do Conselheiro Rui Barbosa, como representante da Academia Brasileira de Letras, cujo homenageado foi seu fundador.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
domingo, 29 de novembro de 2009
sábado, 28 de novembro de 2009
terça-feira, 6 de outubro de 2009
terça-feira, 8 de setembro de 2009
PRIMEIRO CONCURSO DE BLOGS-NTE
Primeiramente, parabenizo a equipe do NTE, por nos dar a oportunidade de colocarmos em prática e ao mesmo tempo, de expormos nossas atividades elaboradas a partir dos conhecimentos adquiridos através de cursos,ministrados por essa equipe que, tem-se mostrado empenhada em suas funções.Agradeço também o incentivo nas atividades e no desenvolver do curso.Participarei deste concurso com o intuito de colaborar para o maior empenho e desempenho de colegas que ainda não fazem parte desse processo interativo, assim também como das próprias escolas que ainda não se dispuseram a enfrentar esse desafio.
Vamos participar, vai ser legal!
Vamos participar, vai ser legal!
sexta-feira, 31 de julho de 2009
PSICOLOGISMO EM DOM CASMURRO.
“PSICOLOGISMO EM DOM CASMURRO”
AUTORA= MARLICE ALVES MARQUES
Professora especialista em Língua Portuguesa e em Artes.
AUTORA= MARLICE ALVES MARQUES
Professora especialista em Língua Portuguesa e em Artes.
O comportamento humano desperta o interesse desde a Grécia Antiga, afirmava-se já naquela época a existência de um espírito que vê e ouve de forma semelhante às funções dos órgãos do corpo. Após vários estudos a psicologia tornou-se a Ciência que estuda as manifestações da vida mental e as leis que regem o procedimento humano no vasto campo dos fenômenos que atingia as criaturas. Pensadores como: Pitágoras,Aristóteles,Herófilo,Descarte,Erasistrato,LaMethie,Berkeley,Leibnitz,Gall,Hundt,Darwin,Wurtzburg,Freud,Gestalt e outros,muito contribuíram para o desenvolvimento da Ciência em questão.
Sob esse prisma, os personagens machadianos tornaram-se imortais no tempo e no espaço.Conforme verifica-se nas obras da segunda fase : Memórias Póstumas de Brás Cubas(1.891),Quincas Borba(1.891),Dom Casmurro (1.893),a abrangência do psicologismo de forma peculiar ,expressando assim a diversidade de sentimentos e comportamentos humanos. Na obra Dom Casmurro o autor enfoca a tragicidade, a frustração do amor que veio desde a infância. Os amantes têm ambições, desejos e desencantos. A partir do desencanto, o protagonista externa todo o seu pensamento, inclusive àquele que camuflou durante muito tempo por obediência a sua mãe e aos padrões pré-estabelecidos pela sociedade da época. Dessa forma revela-se fraco,sugestionável,inseguro,frio e calculista. Verifica-se na obra intitulada “Brás Cubas” que o protagonista procura uma válvula de escape para a sua situação amorosa com Virgília que era comprometida. Em Dom Casmurro (cap.CXXXI), o protagonista também procura selecionar seu problema tentando suicídio, assim como homicídio ao seu próprio filho.Tal comparação constata que Machado de Assis utiliza o pessimismo em algumas de suas obras.
O homem em toda sua plenitude é um eterno enigma, uma vez que age de acordo com a
situação em que vive. O autor evidencia em seus romances conflitos existenciais, não implícitos à sociedade da época. Por isso ele insinua, conduz e faz com que o leitor tire suas próprias conclusões. Sua obra literária é aberta e universal, aborda fatos contemporâneos que engrossam as fileiras da falsa moral, do oportunismo exacerbado, da mentira e de tudo que corrompe o homem.
Portanto, As obras machadianas, por suas características peculiares,têm sido alvo de críticas e de estudos,principalmente Dom Casmurro,tendo Capitu –uma personagem feminina que apresenta comportamento além de seu tempo.Conforme comenta Ingrid Stein em “As Figuras Femininas em Machado de Assis”.
Nenhum autor foi tão admirado pela sua criatividade e pelo seu conhecimento, fazendo a correlação de seus personagens com passagens bíblicas e com obras clássicas de grandes mestres.
RESUMO DA OBRA ‘DOM CASMURRO’
Publicada em 1.890, a obra é narrada por Bento Santiago ( Bentinho) que conta sobre o profundo sentimento amoroso com Capitolina ( Capitu). O namoro foi interrompido por Dona Glória ,mãe de Bentinho , ao cumprir uma promessa em destinar seu filho ao seminário,se nascesse são. Após o ingresso, o moço nunca demonstrou vocação à vida sacerdotal . Com isso, Dona Glória atende ao pedido de José Dias ( agregado) , de enviar ao seminário um escravo para substituir Bento Santiago o qual tornou-se amigo de Escobar , lá no seminário.
Livre do sacerdócio, Bentinho casa-se com Capitu e preserva a amizade com Escobar, esposo de Sancha , amiga de Capitu. Os dois casais mantém estreita relação de amizade. Nasce Ezequiel, filho de Capitu, para sua maior felicidade conjugal . Mas as semelhanças da criança com o amigo Escobar desperta dúvidas a respeito da paternidade.
Nesse período um trágico acidente ceifa a vida de Escobar, aumentando as desconfianças de Bentinho ao ver a reação desesperada de sua esposa sobre o cadáver.
Em conseqüência disso, o casal separa-se. Bentinho manda a esposa e a criança para a Europa. Após a morte de Capitu, Ezequiel retorna ao Brasil para reencontrar com Bento Santiago, pelo qual é recebido na condição de amigo devido as características intrigantes que o jovem apresentara.
Personalidade:
“Os homens são semelhantes, porquanto partilham da situação humana e das dicotomias existenciais a estas inerentes, são originais na maneira específica porque solucionam seu problema humano. A diversidade infinita de personalidade é, em si mesma, característica da existência humana”
FROMM, Erich. Análise do Homem. 1.983. p.51
Partindo do pressuposto de que o Psicologismo é a doutrina que considera todos os nossos conhecimentos como meros fatos psicológicos, postula-se que o caráter e o temperamento traçam a fisionomia psíquica do indivíduo, retratando a personalidade. O
primeiro é a forma como procede o indivíduo, já o segundo está diretamente ligado ao sistema nervoso e divide-se em ativo, apático ou enfático e nervoso ou bilioso. Segundo o psicólogo Erich Fromm, Hipócrates distinguia quatro temperamentos: colérico, sanguíneo, melancólico e fleumático. No sanguíneo e no colérico o indivíduo apresenta fácil excitabilidade, rápida mudança de interesses; no fleumático e no melancólico o ser humano apresenta persistência e lenta excitabilidade dos interesses. Superados esses conceitos na visão moderna, o colérico significa enfurecido; o melancólico significa deprimido; o sanguíneo significa super otimista e o fleumático, lento demais.
Conforme a Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung, a libido é a energia vital, e pode ser canalizada para outros meios, neste aspecto o estudioso já discorda de Freud que encaminha tudo para o lado sexual. Por outro lado, Jung denominou os símbolos primordiais de Arquétipos Universais os quais são representados pelas mães, pelo herói, pelo Dilúvio e pela Cruz. O grande estudioso foi autor dos conceitos de introversão e extroversão. O primeiro termo denota a característica de um ser sugestionado, sempre; enquanto o segundo caracteriza um ser auto confiante em suas idéias e sentimentos. Quanto a atividade mental, Jung a classificou em pensar e sentir- perceber e intuir.
Com o desenvolvimento da Psicologia no mesmo período em que Machado de Assis escrevia seus romances da segunda fase (Realista), observa-se que o escritor apresenta na caracterização psicológica de seus personagens um psicologismo que nem sempre [e externado. Com isso o autor aproveitava para dissecar a personalidade, assim como o egoísmo,a inveja, a luxúria, a vaidade, a mentira, a mentira, a hipocrisia, a cobiça e o orgulho. Dessa forma, seu humor sarcástico, sua ironia amarga e cruel reflete o desencanto com o final feliz dos românticos .Para Machado a verdade deve ser retratada,embora sob protestos dos conservadores.
No entanto, a vida social é descortinada perante os olhos de todos, uma vez que na sociedade conservadora não admitia-se o adultério, a crítica à burguesia e, os valores morais embora inexistissem em algumas situações mas não podia ser exposto. Machado ousou e conseguiu romper a falsa verdade. Verifica-se, também, que para seus personagens, sobretudo nas figuras femininas, o casamento era um meio de conquistar status, já não satisfazia de todas as mulheres que pensavam além de seu tempo.
A maternidade, segundo Ingrid Stein, era uma característica marcante nas obras Machadianas; a família com poucos componentes ou nenhum filho, como por exemplos: Dona Glória ( Dom Casmurro), Natividade ( Esaú e Jacó) e Dona do Carmo ( Memorial de Aires), estas mulheres são personagens modelares. Sugere-se nesse fato uma relação com o psicologismo real de Machado, haja vista ter ficado órfão com tenra idade e ter sido adotado por outra família. E em uma análise mais profunda, pode-se perceber a presença do psicologismo do próprio autor de maneira bastante metaforizada e complexa.
O psicologismo existente nos personagens é bastante e reflexível e questionável. A complexidade e a conflituosidade são colocadas, muitas vezes, de modo subjetivo, que em uma primeira leitura não se consegue abstrair o verdadeiro sentido das situações abordadas.
De certa forma, Machado consegue mexer com o psicologismo do leitor, por permitir que este faça suas próprias deduções. Como um bom arquiteto de personalidades o autor constrói passo a passo a trama, e o enredo fica inacabado a critério de quem o lê.
Notem a análise significativa da essência do homem feita por Machado de Assis no capítulo XVII ( Os Vermes) em Dom Casmurro ,conforme o excerto.
“_ Meu senhor, respondeu-me um longo verme gordo, nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem escolhemos o que roemos, nem amamos ou detestamos.”
JOSÉ DIAS
No personagem de Dom Casmurro, José Dias constata-se vários distúrbios de conduta,tendo a mentira como principal motivo de seu acolhimento na casa de Bentinho, pois José Dias fazia-se passar por médico homeopata, na verdade era puro charlatanismo e assim, trabalhava o psicologismo das pessoas que o procuravam, cuja explicação já se justifica no meio científico:
“Com efeito, sem fé o homem fica estéril, desesperançado e amedrontado até o próprio âmago de seu ser.”
( FROMM, Erich. 1.983. p. 170)
José Dias demonstra inferioridade quando faz elogios à Dona Glória, sua protetora, além de valorizar as idéias dela, concorda com as decisões por ela tomadas; é malicioso conforme se verifica no capítulo LVII, onde relata a Bentinho que Capitu mostra-se feliz enquanto Bentinho esteve no seminário e talvez estivesse a procura de um homem que a desposasse; è exibicionista ao utilizar, frequentemente, superlativos para impressionar as pessoas que lhe cercavam e ele comportando-se como alguém possuidor de um conhecimento apurado.
“José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às idéias; não as havendo, servia para alongar as frases”.
Por outro lado, demonstrava ter um temperamento, segundo a psicologia, sanguíneo ou ativo, por ser muito ágil. E o tipo físico na classificação de Kretschmer era extrovertido, pois tentava participar de todos os acontecimentos na casa de Dona Glória, chegando até a ocupar a função de conselheiro, em algumas ocasiões. Desfrutava da confiança e da simpatia de todos, com exceção de Capitu, namorada de Bentinho, que ao tomar conhecimento da discordância dele em relação o namoro dela com Bentinho, ficou intrigada e aborrecida com José Dias. E só com o passar do tempo retoma a confiança da moça.
Outra característica marcante nesse personagem é o interesse acentuado em ser beneficiado na companhia de Bentinho em uma possível viagem. Conforme se verifica no capítulo XXVI, ao ouvir o desabafo de Bentinho, confessando-lhe não ter vocação sacerdotal. José Dias aproveita a ocasião e devaneia pela Europa, incitando o protagonista a estudar as leis e prontifica-se em ajudá-lo. Com tudo isso se conclui que José Dias é uma pessoa que utiliza sua perspicácia para se beneficiar, para isso não mede quaisquer esforços. Simultaneamente demonstra-se uma pessoa dedicada, meiga, servil, sensível e amorosa.
ESCOBAR
Machado de Assis utiliza virtudes como a inteligência, principalmente para a caracterização do personagem Escobar. Homem bonito fisicamente, amigo de Bentinho. Revela um tipo psicológico dotado de capacidade intelectual impressionante, tem facilidade de realizar cálculo. Favorecendo-lhe, mais tarde, no ramo do comércio.
“Não digo mais, que foi muito bem. Nem ele sabia só elogiar e pensar; sabia também calcular depressa e bem. Era das cabeças aritméticas de Homens, não se imagina a facilidade com que ele somava ou multiplicava de cor”.
Além disso, Escobar desperta a admiração de Bentinho, tanto pela intelectualidade quanto pela sua constituição genética. Conquistou a amizade de Bento e de todos da casa de Dona Glória, até mesmo Justina com seu azedume e sua implicância, se esforçou para achar no jovem algo que o desvalorizasse, mas foi em vão.
Os laços entre Escobar e Bentinho são muito visíveis em toda a obra, como no capítulo XLIV.
“Fiquei tão entusiasmado com a facilidade mental do meu amigo que não pude deixar de abraçá-lo. Era no pátio; outros seminaristas notaram a nossa efusão; um padre que estava com ele não gostou.
- A modéstia, disse-nos, não consente esses gestos excessivos; podem estimar-se com moderação.
Escobar observou-me que os outros e o padre falavam de inveja e propôs-me viver separado. Interrompi-o dizendo que não, se era inveja, tanto pior, para eles.
-Fiquemos ainda mais amigos até aqui. Escobar apertou-me a mão às escondidas, com tal força que ainda me doem os dedos. “É ilusão, decerto.”
Escobar, psicologicamente, caracteriza-se como uma pessoa alegre, amistosa, equilibrada, faz amigos facilmente e trata as mulheres com muita afeição e carinho, por exemplo quando chama a Sancha (de Sanchinha), sua esposa; (de cunhadinha) para Capitu, mulher do amigo Bentinho.
De certa forma, este personagem é forte e, no psicologismo de Bento Santiago, o supera. Talvez seja esse o motivo da discórdia e da suspeita de Bentinho em relação a paternidade de Ezequiel e do caráter moral de Capitu.
JUSTINA
“Era quadragenária, magra e pálida, boca fina e olhos curiosos. Vivia conosco por favor de minha mãe, e também por interesse; minha mãe queria ter uma senhora íntima ao pé de si, e antes parenta que estranha.[…] Justina contava quarenta anos quando foi morar de favores na casa de sua prima Glória. Costumava fazer elogio a seu falecido marido, embora durante o casamento não terem vivido bem, talvez pelo fato de nunca ter sido amada de verdade. Possuía uma natureza “feita de azedume e de implicância” ”.
Segundo a coletânea Versátil Polivalente, o temperamento é diretamente influenciado pelo sistema nervoso, pela composição bioquímica do sangue, pela hereditariedade e pela construção física. Kretschmer classifica quatro tipos fundamentais de temperamento: o leptossomático, o pícnico, o atlético e o displástico. Aqui nos interessa o primeiro caso, pois nele se incluem os indivíduos magros, altos, esguios, de temperamento esquizotímico: introversão,dificuldade de relacionamento social e predileção por abstrações. Tais características encaixam-se no comportamento de Justina. Pois as mesmas se verificam no capítulo LXVI, quando o relacionamento de Justina e Capitu torna-se difícil, pelo fato de Capitu cercar de cuidados a mãe de Bentinho, provocando inveja e aborrecimento em Justina.
“Contudo, a intimidade de Capitu fê-la mais aborrecível à minha parenta. Se a princípio não a tratava mal, com o tempo trocou de maneiras e acabou fugindo-lhe. Capitu, atenta, desde que a não via, indagava dela e ia procurá-la. Prima Justina tolerava esses cuidados. A vida é cheia de obrigações que a gente cumpre, por mais vontade que tenha de infringir deslavadamente. Demais, Capitu usava certa magia que cativa; prima Justina acabava sorrindo, ainda que azeda, mas a sós com minha mãe achava alguma palavra ruim que dizer da menina.”
Verifica-se também, que Justina é maliciosa como mostra o capítulo LXXXI, em que Capitu dorme na casa de sua amiga e Justina faz o seguinte comentário para Bentinho:
“…Capitu devia ter voltado hoje para acabar um trabalho comigo; certamente a amiga pediu-lhe que dormisse lá.
_Talvez ficassem namorando, insinuou prima Justina.
No capitulo XXII, intitulado “Sensações Alheias”, Justina percebe em uma conversa com Bentinho o amor que ele sente por Capitu. E ao mesmo tempo que faz tal descoberta:
“Os olhos dela gozam no adolescente as antigas sensações dos próprios amores”
MEDINA, Antônio. CASTRO, Dácio. Literatura para a FUVESP. São Paulo: Ática. P. 99.
Percebe-se que a personagem analisada, ao mesmo tempo em que se mostra uma pessoa azeda e implicante, deixa fluir sentimentos afetivos que possui em relação a Bentinho, conforme citação do autor:
“Só então senti que os olhos de prima Justina, quanto eu falava, pareciam apalpar-me, ouvir-me, cheirar-me, gostar-me, fazer o ofício de todos os sentimentos”.
SANCHA
Sancha conheceu Capitu no colégio e tornaram-se amigas. Desde essa época, cultivaram uma profunda amizade mesmo depois de casadas. A amiga de Capitu era uma pessoa modesta vivia feliz com seu marido e sua filhinha.
Assim como Bentinho, Sancha caracterizava-se, psicologicamente, como uma pessoa sugestionável, isto é, aceita tudo o que lhe é imposto, principalmente por parte do marido, para não contrariá-lo:
“_Não creio; Sanchinha não é gasteira, mas também não é poupada; o que lhe dou chega, mas só chega.”
Machado, em seus romances, deixa transparecer a importância do casamento para as suas personagens femininas. Sancha, por exemplo, sabia das aventuras do marido, mesmo assim conformava-se, não queria a ruína de seu casamento e por isso omitia-se:
“Escobar e a mulher viviam felizes; tinham uma filhinha. Em tempo ouvi falar de uma aventurado marido, negócio de teatro, não sei que atriz ou bailarina, mas se foi certo, não deu escândalo…”
Apesar de demonstrar uma boa convivência com seu cônjuge, fica evidente em um trecho da obra que Sancha sente uma forte atração pelo melhor amigo dele. Em uma reunião, Sancha observa Bentinho que conversa com Escobar, ela “trocou olhares de
desejo sexual” com Bentinho e fez com que este notasse sua presença, seu interesse e, oportunamente, aproximou-se dele:
“Sancha não tirava os olhos de nós durante a conversa, ao canto da janela. Quando o marido saiu, veio ter comigo.”
De acordo com essa situação dentre outras, conclui-se que Sancha era traída, mas também traia, mesmo que fosse psicologicamente:
“Sancha ergue a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que eu, graças às relações dela e Capitu, não se me daria beijá-la na testa. Entretanto, os olhos de Sancha não convidavam a expansões fraternais, pareciam quentes e intimativos, diziam outra coisa, e não tardou que se afastassem da janela, onde eu fiquei olhando para o mar, pensativo.”
DONA FORTUNATA
A figura de Dona Fortunata, mãe de nossa heroína, obedece a senhora pacata e convencional da criação machadiana, cujos traços psicológicos, são: a submissão; a mulher sempre pronta a servir a família. De acordo com os estudos da psicologia, ela possui um temperamento fleumático, pouco aparece e interfere menos ainda; somente no capítulo XV, ela expressa o seu pensamento e é ouvida por seu marido (Pádua), quando este tirou o bilhete premiado da loteria e queria fazer gastos exorbitantes:
“…foi a mulher que lhe disse que o melhor era comprar a casa, e guardasse o que sobrasse para acudir as moléstias grandes.”
Comparando Dona Fortunata a sua filha Capitu é possível perceber as características psicológicas semelhantes entre ambas, eram firmes, decididas e sabiam o momento certo de tomar decisões.
Dona Fortunata é o oposto de Dona Fernanda (Quincas Borba), em todos os aspectos, pois a primeira é pobre, introvertida e pacata; enquanto a segunda é tem respaldo na sociedade, é extrovertida e gosta de ser o centro de interesses. Dona Fortunata, é na verdade, uma das muitas personagens que passam despercebidas na obra machadiana, tendo como motivo principal a serenidade, a bondade e tudo que há de mais perfeito no ser humano.
PÁDUA
Atrás da simplicidade com que Machado de Assis constitui o personagem “Pádua” (pai de Capitu e esposo de Dona Fortunata), o autor não deixa de trabalhar o pessimismo. Pois diante de uma crise existencial Pádua tenta o suicídio, prefere a morte à humilhação em ser rebaixado do cargo que ocupava na repartição. Por vezes esse mesmo personagem achava-se tranqüilo, sorridente e despreocupado. Observa-se que, psicologicamente, é uma criatura confusa, frágil, insegura, orgulhosa e capaz de cometer qualquer ato criminoso. Até certo ponto é dotado de egoísmo. Este comportamento segundo a psicologia individual de Alfred Adler, adepto de Freud, o complexo de inferioridade leva o indivíduo a acarretar “supercompensações”, tenta dominar os outros, não aceita perder, comete atitudes associais ou anti-sociais, levando-o ao crime e a delinqüência.
“… já disse, mato-me! Não hei de confessar à minha gente essa miséria…”
Também é uma pessoa que aceita sugestões de sua esposa, graças a isso, faz suas economias.
COSME
Sem muita relevância, Cosme irmão de Dona Glória caracteriza-se pela tranqüilidade. Era bastante observador, uma de suas conclusões é de que Dona Glória educava mal o filho, mas nada falava a ela e, com isso fingia-se omisso. Durante toda a obra, não foi encontrado nenhum questionamento a seu respeito; pelo contrário, a forma que o autor o descreve serve para retratar seu lado humorístico.
“Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos. Uma das minhas recordações mais antigas era vê-lo montar todas as manhãs a besta que minha mãe lhe deu e que o levava ao escritório[…] Enfim, após alguns instantes largos, tio Cosme enfeixava todas as forças físicas e morais, dava o último surto da terra, e desta vez Caía em cima do selim. Raramente a besta deixava de mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo…”
BENTINHO
Bento Santiago é considerado por alguns autores como o personagem mais complexo do romance “Dom Casmurro”. Pois é analisado com vários traços psicológicos no decorrer da obra.
Em sua infância, Bentinho vive um grande dilema, entre a promessa feita por sua mãe de colocá-lo ao seminário por ter nascido são e o namoro com Capitu, sua vizinha. A profunda insegurança psicológica é ponto principal do personagem machadiano.
Pode-se observar que ele é considerado uma pessoa facilmente sugestionável, ou seja, sempre diz “sim” para não ofender ou contrariar as pessoas. È o que ocorre quando sua mãe lhe impõe que entre para o seminário.
“…Bentinho há de satisfazer os desejos de sua mãe…É promessa, há de cumprir sim”
Nesse contexto, o protagonista faz uma analogia entre sua vida e a passagem bíblica que narra a história do filho de Abraão, Isaac_ indo cumprir ao sacrifício que Deus o ordenou:
“…como Abraão, minha mãe levou o filho ao monte da visão, e mais a lenda para o holocausto, o fogo e o cutelo…”
Em outra situação pode-se dizer que o protagonista deixa-se levar pelas emoções e pelos sentimentos e, isso faz com que Capitu pense e decida por ele, tornando-o um ser frágil, protegido e sem idéias próprias.
“…Capitu repetiu-os acentuando alguns, como principais, e inquiria-me depois sobre eles, a ver se entendera bem , se não trocara uns por outros. E insistia em que pedisse com boa cara, mas assim como quem pede um copo de água à pessoa que tem obrigação de o trazer…”
Um outro traço psicológico que se pode citar é o comportamento exagerado ao bem próprio, sem atender aos outros. O egoísmo invade sua mente, obcecado para sair do seminário e ficar com Capitu, chega a desejar a morte de sua própria mãe, pois assim ficaria livre da promessa.
“…o terror me segredou ao coração, não estas palavras, pois nada articulou parecido com palavras, mas uma idéia que poderia ser traduzida por elas:”mamãe defunta, acaba o seminário…”
Uma de suas principais características era o ciúme exagerado que sentia por Capitu, o qual lhe trazia insegurança e desconfiança. Bentinho por ser tão frágil, deixa se dominar por pensamentos negativos que o ciúme lhe trazia a mente. Como qualquer pessoa ciumenta, imagina situações que muitas vezes não são verdadeiras, com isso o ciúme só lhe traz desespero e sofrimento.”
“…cheguei a ter ciúme de tudo e de todos. Um vizinho, um par de valsa, qualquer homem moço ou maduro me enchia de terror ou de desconfiança…”
Machado apresenta atitudes que despertam, muito, a atenção do leitor através das ações de Bentinho, quando deixa fluir seu lado macabro, frio e calculista ao ponto de planejar a sua morte, para acabar com o sofrimento que tomava conta de sua alma. É essa manifestação visível da cólera e, de modo violenta, que Freud considera a manifestação do instinto da morte. Com esse mesmo comportamento, chega a pensar em matar sua prima, por esta insinuar que Capitu estivesse namorando outro rapaz.
“…não a matei por não ter a mão ferro nem corda, pistola nem punhal; mas os olhos que lhe deitei; se pudessem matar, teriam suprido tudo…”
O instinto macabro do personagem lhe afligia tanto a alma que ele até pensou em dar a xícara de café envenenado ao próprio filho Ezequiel, além de desejar a morte de sua esposa.
Percebe-se que no romance houve o adultério psicológico entre Bentinho e Sancha, esposa do amigo Escobar. Bentinho sentiu-se atraído por algum instante pela beleza de Sancha , que devido a troca de olhares, faz da despedida uma insinuante atração sexual.
“…não havia jeito de esquecer a mão de Sancha nem os olhares que trocamos…”
“…uma sensação me correu todo o corpo…”
Em um feedback, o autor explora o maior conflito psicológico de Bentinho que é a dúvida e a insegurança acerca da paternidade do menino Ezequiel. A princípio surgiam apenas suspeitas, depois o autor apresenta fortes evidências; começam a surgir problemas conjugais como a separação do casal e até mesmo a rejeição pelo suposto filho Ezequiel. Essa insegurança lhe provoca o bloqueio emocional e a situação angustiante que lhe acompanha durante todo o enredo.
Segundo o crítico Woll é a própria natureza, através de semelhanças entre o filho Ezequiel e Escobar, que coloca Bentinho diante da necessidade de decidir-se e reconhecer a verdade sem que para tal, a natureza lhe forneça indícios ou até provas seguras, levando-o ao desespero. Soma-se a isso, o comportamento de Capitu no enterro do amigo Escobar, o que faz tornar claro à visão de Bentinho o adultério da esposa.
“ …A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas…”
Entre todos os conflitos psicológicos, que o personagem vive, é muitas vezes supersticioso quando diz que foi educado no terror do dia de sexta-feira, é um dia de agouro. Essa característica está presente, também, em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, no personagem Lobo Neves.
Segundo o estudioso da Literatura Afrânio Coutinho, Bentinho é o tipo de personagem de Machado de Assis que consegue retornar ao passado, mas não a sua sensação, por isso vive isolado e melancólico.
Pode-se perceber que após a morte de Capitu e de Ezequiel, Bentinho permaneceu isolado no casarão que mandou construir com as mesmas estruturas de sua casa na Rua Matacavalos.
As obras machadianas caracterizam-se por esse conflito psicológico. A dúvida e a incerteza são apresentadas, mas não são esclarecidas, e isso proporciona ao leitor que faça uma análise mais profunda para dar seu ponto de vista e assim tirar suas conclusões sobre as personagens e suas respectivas ações.
Um fato muito curioso, que numa primeira leitura fica quase imperceptível, é uma possível relação afetiva entre bentinho e Escobar, uma vez que trocam expressões e gestos ternos e afetuosos, por vezes demoradamente:
“…não fitava de rosto, não falava claro nem seguido:as mãos não apertavam as outras, nem se deixavam apertar delas, porque os dedos, eram delgados e curtos, quando a gente cuidava tê-los entre os seus…”
Novamente a intimidade entre os dois personagens despertam curiosidades...
“…quando ele entrou na minha intimidade pedia-me freqüentemente explicações e repetições miúdas[…]Eu, seduzido pelas palavras dele, estive quase a contar-lhe logo, logo, a minha história. A princípio fui tímido, mas ele fez-se entrando na minha confiança…”
“Os padres gostavam de mim, os rapazes também, e Escobar mais que os rapazes e os padres”
“…quando voltei ao seminário, na quarta-feira, achei-o inquieto; disse-me que era sua intenção ir ver-me, se eu me demorasse mais um dia em casa”.
São vários os indícios que sugerem uma relação de afeto e de companheirismo íntimos. Após sua saída do seminário, mesmo casado, não se afastou do amigo tão querido, coloca no seu filho o nome do parceiro e até a morte de Escobar não foi o suficiente para que ele deixasse de ser cultuado, pois a fotografia de Escobar ainda permanecia na parede de sua sala, nem mesmo Capitu, a eterna amante, mereceu tamanha veneração.
DONA GLÓRIA
Dona Glória, mãe de Bentinho, é o tipo de personagem que melhor caracteriza os romances machadianos, pelo fato de ser viúva e jovem. Vive seu estado de viuvez em função do filho e da lembrança do marido.
“…vivia metida em um eterno vestido escuro, sem adornos, com um xale preto, dobrado em triângulo e abrochado ao peito por um camafeu…”
Devido a sua fé cristã e a morte do primeiro filho, a viúva faz uma promessa a Deus para que seu segundo filho nasça saudável e assim mandá-lo para o seminário; embora a distância e a saudade lhe causasse sofrimento, não deixaria de cumprir a promessa, em vista disso, o batizou por Bento, nome cristão e quer dizer abençoado por Deus.
Ela dividia sua personalidade e tomava decisões através dos conselhos que pedia ao padre Cabral, ao seu irmão Cosme e a sua prima Justina, pela qual lhe tinha grande gratidão. Mas com a promessa que fizera a Deus, tomou atitudes autoritárias e ao mesmo tempo de mãe protetora, tinha sempre o direito de determinar, de fazer obedecer.
“…em todo o caso, vai sendo tempo, interrompeu minha mãe, vou tratar de metê-lo no seminário quanto antes…”
Para Machado de Assis, a personagem Dona Glória, corresponde à visão realista da época; a mãe ideal que se dedica a maternidade, no que diz respeito à boa criação do filho. Pela sua devoção a Deus, a viúva era muito conservadora aos princípios religiosos. Conservou toda a alegria de viver e usufruir da companhia do irmão e dos casais amigos.
Considerando que Machado faz alusões aos personagens bíblicos, pode-se dizer que de acordo com o texto (I Coríntios- 7,32) Dona Glória incorpora em seu comportamento, essa mensagem “…quanto as mulheres viúvas, estão interessadas nas coisas do Senhor, porque querem se dedicar de corpo e alma a Ele…”
Por uma visão geral desta personagem, verifica-se que é extremamente dedicada a família e a religião, colocando a fé acima de tudo.
MANDUCA
O autor não poderia deixar de trabalhar a parte putrefata da sociedade. A lepra em si, dá idéia de destruição, corrupção… Numa análise mais minuciosa, percebe-se o personagem Manduca, amigo de Bentinho, que vivia escondido por sua decomposição física. De uma certa forma, tudo que ultrapassa a visão realista, choca e aterroriza as pessoas. E é isso que Machado faz, tira as vedas que impedem o ser humano perceber as mazelas da humanidade, os podres da sociedade.
Psicologicamente, Manduca é uma pessoa cheia de virtudes, equilíbrio, e possui um desenvolvimento intelectual admirável. Porém, o contato com o mundo exterior lhe causaria preconceito e repulsa; como o próprio Bentinho deixa transparecer. Embora ele tenha bom caráter e uma personalidade dentro dos padrões normais foi tolhido do convívio com as pessoas e durante sua existência, manteve-se solitário.
“Manduca vivia no interior da casa, deitado na cama, lendo por desfastio. Ao domingo, sob a tarde, o pai enfiava-lhe uma camisola escura, e trazia-o para o fundo da loja, donde ele espiava um palmo da rua e a gente que passava. Era todo o seu recreio. Foi ali que o vi pela primeira vez, e não fiquei pouco espantado; a doença ia lhe comendo partes das carnes, os dedos queriam apertar-se; o aspecto não atraia, de certo.”
CAPITU
Através da análise do romance “Dom Casmurro”, comparando com outros de autoria machadiana, observa-se que a grande parte das uniões conjugais descrita é insatisfatória e as mulheres mantém um conformismo diante de seus casamentos desastrados.
“ Clara (Ressurreição) aceitou passivamente a realidade que lhe deram…”
São casos de amor contrariados, conflitos abafados entre as quatro paredes do lar, que de forma alguma poderiam a ordem social e familiar dos leitores e, sobretudo, dos membros da burguesia da época. Os acontecimentos são entremeados de explicações aos leitores, de construções sobre o “por dentro” dos personagens. Parece que o próprio romancista estava consciente que as coisas que escrevia não eram exatamente semelhante ao que se produzia na época. Conforme afirma em seu romance “ Ressurreição”;
“Não quis fazer romance de costumes, tentei o esboço de uma situação e o contraste de dois caracteres; com esses simples elementos busquei o interesse do livro”.
Com a ambigüidade e a parcialidade que bento retrata Capitu, apresenta uma personagem densa de comportamento insinuante e surpreendente. Ela é uma das personagens femininas mais intrigantes da Literatura brasileira. E o que mais se sabe sobre Capitu obtém-se através do perfil moral, do modo de ser que o esposo preocupa-se em narrar.
Segundo Agripino Grieco, crítico de tiradas bem humoradas, o romancista em questão, aflora a fisionomia moral de Capitu sob a expressão visual, pois os olhos são os principais refletores da essência humana.
Em Dom Casmurro, José Dias refere-se à Capitu dizendo para Bentinho ; “…A gente Pádua não é todo má, Capitu, apesar daqueles olhos que o diabo lhe deu…você já reparou nos olhos dela?São assim de cigana oblíqua e dissimulada. Pois, apesar deles, poderia passar, se não fosse a vaidade e a adulação…” Para José Dias, Capitu exterioriza sua personalidade através do olhar, a considerava uma moça dissimulada, maliciosa,
sinuosa, astuciosa e fingida. A dissimulação se confirma quando Capitu escreve no muro “BENTO CAPITOLINA” em inteligentemente, consegue fingir a seu pai, logo em seguida quando fita seu olhar em Bentinho, confirmando o jogo do siso, negando assim seu sentimento amoroso por bentinho.
Ao tentar comprovar a afirmação que José Dias fizera sobre Capitu, Bentinho observa os olhos de sua amada e sente se envolvendo, cada vez mais, por aquela feição misteriosa e enérgica que lhe arrastava para dentro. Na narração que segue percebe-se caramente a segurança e a determinação de Capitu sobre Bentinho:
“…mas eu também juro! Juro, Capitu, juro por Deus nosso Senhor que só me casarei com você. Basta isto?
_Queria bastar, disse ela; eu não me atrevo a pedir mais. Sim você jura…
Mas juremos por outro modo; juremos que nos havemos de casar um com outro, haja o que houver… A cabeça da minha amiga sabia pensar claro e depressa.”
Confere-se nesse trecho a astúcia e a extroversão de Capitu. Pois como o narrador descreve o modo de pensar de sua amiga, é bastante coerente com a teoria de Jung que caracteriza a pessoa extrovertida àquela autoconfiante em suas idéias e em seus sentimentos.
Veja-se como Machado descreve as ações e as reações de sua heroína:
“Capitu, a princípio não disse nada. Recolheu os olhos, meteu-os em si e deixam-se estar com as pupilas vagas e surdas.
…Capitu não parecia crer nem descrer, não parecia sequer ouvir, era uma figura de pau… enfim, tomou a si, mas tinha a cara lívida, e rompeu nestas palavras furiosas:
_Beata! Carola! Papa missas!”
Perante a descrição feita, observa-se os traços fortes e marcantes da personagem, os quais anunciam um comportamento observador, temperamental, impulsivo e com um tom agressivo. Porém, a personagem age de acordo com as circunstâncias; por exemplo, quando ela observa que Bentinho rejeita e ao mesmo tempo diz que o pequeno Ezequiel não é seu filho, Capitu renuncia ao marido, através de suas intuições; todavia, submete-se às ordens do ciumento Bentinho.
Com base em informações contidas na obra, como em umas aqui mencionadas, supõe-se que uma mulher como Capitu, com todas as características observadas, seria capaz de encontrar outra solução para si, pois o ficcionista a colocou como ativa desde antes do casamento e cheia de vontade própria. Aprendeu a ler, escrever e contar; francês, doutrina e obras de agulha, mas não aprendeu a fazer renda; por isso mesmo quis que prima Justina lhe ensinasse. Se não estudou latim com o padre Cabral foi porque este, depois de lho propor gracejando, acabou dizendo que latim não era língua para meninas”. E isso foi o que mais causou interesse à menina. Vê-se aí que Capitu estava sempre em busca do além de sua época.
Enquanto, após o matrimônio, o romancista situa a personagem em um contexto passivo e submisso. Capitu passa a ser “parte” do marido. Dotada de pudor, de virtude, de recato e de paz doméstica. Na verdade, Capitu foi um enigma e continuará sendo, para nós, para os estudiosos e para os demais leitores das obras machadianas.
EZEQUIEL
Ezequiel de Albuquerque Santiago, o esperado complemento da felicidade do casal Santiago, ainda no ventre de Capitu, foi o centro de interesse em forma de carinho do casal.
Aos cinco anos, Ezequiel possuía o hábito de imitar as pessoas, dentre elas, Escobar e José Dias. Esse foi um dos fatos que despertou desconfianças de Bentinho em relação à paternidade do menino; principalmente porque o garoto apresentava semelhanças com Escobar. E isso aumentava tanto a rejeição à presença do menino quanto a negação da paternidade.
“_Papai! Papai! Exclamava Ezequiel.
_Não, não, eu não sou teu pai!”
Diante desse fato, observa-se a frieza que Bentinho rejeita o garoto, repassando à inocência da criança a exclusão de sua presença e de seu carinho que, possivelmente seria de forma recíproca ao que recebera no ventre da mãe. Mesmo correndo o risco de ser morto por Bentinho, Ezequiel era incapaz de qualquer percepção, haja vista, que era um menino de tenra idade e ainda imaturo.
Segundo Iris Goulart, professora de psicologia (BH), a criança tem facilidade de imitar as pessoas devido a fácil assimilação que possui na infantilidade, além da relação afetiva que possui com as pessoas por ela imitada.
Ezequiel também apresentava características semelhantes às de Bentinho. Conforme Antonio Medina, o jovem Bentinho, assim como bento Santiago, era obcecado pelo passado, motivo que lhe fez ser arqueólogo. Mesmo adulto, Ezequiel permaneceu na inocência. E à distância, seus conhecidos chamavam-lhe de “O Filho do Homem”, expressão bíblica referente ao profeta Ezequiel:
“Disse-me ainda o Senhor. Filho do Homem, julgarás tu a Oolá e a Olibá? Declara-lhes, pois, as suas abominações.”
(A.T. Ezequiel. Cap. 23, 36)
O arqueólogo Ezequiel comprova sua inocência ao ser recebido por Bentinho, como a pessoa de Escobar. E no romance, o ficcionista externa claramente o silêncio de Capitu em relação ao fato suspeito.
“porque adulteraram, e nas suas mãos há culpa de sangue; com os seus ídolos adulteraram, e até os seus filhos, que me geraram, ofereceram a eles para serem consumidos pelo fogo.”
(A. T. Ezequiel. Cap. 23, 36)
De acordo com os versos bíblicos citados, percebe-se que Bento relaciona o nome Ezequiel com a suposição da paternidade que faz ao jovem.
Ao falecer, Ezequiel recebeu homenagens de seus amigos, os quais demonstram tê-lo como uma pessoa de boa conduta : “Tu eras perfeito nos teus caminhos”. Por outro lado, mesmo depois de morto, continua sendo rejeitado, menosprezado e desconsiderado pelo homem que lhe negava carinho, desde a infância. Além de rejeitá-lo, Bento ainda ironiza a origem de Ezequiel, acrescentando à homenagem feita pelos amigos: “…desde o dia de tua criação?”
O protagonista questiona sobre qual seria o dia da criação, ou seja, da concepção do feto. Questionamento este que, através de pesquisas e análises pode-se dizer que Bentinho apresenta dois “ indícios” que lhe confirmem sua suspeita: o primeiro é a semelhança física de Ezequiel com o amigo Escobar. Para Woll, é a própria natureza a responsável por esse fenômeno. O segundo indício é o comportamento emocional de Capitu, principalmente, no momento do enterro de Escobar, fato este que também foi realizado por Bentinho, pois se os dois casais mantinham estreito laço de amizade; atitude como as de Capitu, chorar ao ver o corpo de um amigo, é considerado normal, o que está em desacordo com a suspeita de Bento Santiago.
Além disso, o perfil de Capitu lhe causava ciúmes, porém desde a infância que o protagonista declara esse receio, e no decorrer da obra o enciumado não mencionou motivo concreto que justificasse sua atitude.
De todo o exposto, pode-se afirmar que Dom Casmurro malogrou no propósito de saber quem ele próprio foi, e o quê o passado foi para ele. No romance aqui analisado prioriza-se a investigação moral ou psicológica do protagonista (Bentinho), ou seja, o seu “eu” e não o “ela” (Capitu).
CONCLUSÃO
O conteúdo dessa análise- O PSICOLOGISMO EM DOM CASMURRO- resultou da busca com diligência em várias fontes da área da psicologia, assim como de outras fontes das obras machadianas e de obras analíticas das características das personagens realistas. Tal experiência favoreceu grande interesse de obter sensatos conhecimentos sobre o comportamento moral da humanidade sob visão de Machado de Assis como: mesquinharias pequenas e grandes; as indecisões; o oportunismo disfarçado; a falsa devoção e a falsa moral. Tudo foi registrado de forma universalizada.
As formas de encarar a Literatura Brasileira são inúmeras e, consequentemente, também o são os estudos dispensados às obras machadianas. Em Dom Casmurro, por exemplo, pode-se dizer que apesar da complexidade e da ambigüidade das personagens, foi possível perceber características psicológicas responsáveis pelo tema abordado e pela caracterização do estilo trabalhado pelo autor.
Sugiro que as questões levantadas, quer sejam inéditas ou não, sejam aceitas,consideradas e motivo de outras pesquisas por parte dos leitores, de pesquisadores e de simplesmente fãs de Machado de Assis. Pois deduzo que em uma análise deve-se expor o ponto de vista de acordo com os contextos abordados.
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